Referências
bibliográficas
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ANDRÉ, Carminda Mendes. Teatro
pós-dramático na escola (inventando
espaços: estudos sobre as condições do ensino do teatro em sala de aula).
São Paulo: Editora Unesp, 2011.
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Breve resumo
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Para elucidar o que seria o teatro
pós-dramático, a autora faz, como ela mesma chama, um breve histórico do
teatro moderno, explicando o drama e apresentando alguns expoentes da quebra
desse paradigma de encenação, a exemplo de Brecht e Artaud.
No teatro pós-dramático, o texto perde sua
primazia, a identificação deixa de ser indispensável, o espectador assume
papel ativo no espetáculo, deixando de ser mero apreciador e a arte passa a
ocupar espaços não convencionais. O teatro deixa, então, de ser representação
para ser presentação (fazendo-se no
presente), a realidade circundante e o espectador passam também a compor o
espetáculo.
A autora foca, então, na arte
intervencionista, apresentando-a como uma prática popular e de subversão da
ótica e dos comportamentos comuns que são, na verdade, imposições absorvidas
e internalizadas pela população que já não mais necessariamente as percebe
como normatizadoras e descreve alguns experimentos do Núcleo de Artes
Pitorescas (NAP) – Alerta, grupo do qual faz parte.
A última parte da obra é
dedicada à relação entre teatro e educação, traçando um resumo do percurso da
arte educação no Brasil e destacando a necessidade de, assim como na vida
cultural da sociedade, a escola proporcionar aos alunos o contato com
diferentes formas de teatro, incluindo aí o happening e a performance.
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Transcrições de citações mais importantes
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“As aproximações da cena teatral com fatos do
cotidiano têm provocado inúmeras mudanças, seja no fazer arte, seja no
contexto cultural em que se insere. Dentre essas mudanças, nota-se o
aparecimento da proposição de uma outra cena que se faz como acontecimento do
presente e não mais como representação; observa-se também a atenuação de
linhas de fronteira entre a arte e vida que desmistifica o mito da “arte
desinteressada” produzindo uma arte comprometida com as condições em que é
gestada.” (p.17, l.1)
“A realidade, não mais compreendida como dado
natural, nem efeito do passado, se mostra teatral, fabricada. É desse modo
que compreendemos a expressão “sociedade do espetáculo”. Diante desse
fenômeno, o caminho da arte vai na contramão da representação dessa
realidade, pois a rejeita, a quer desmascarar.” (p.32, l. 8)
“Nesse sentido, pode-se dizer que o drama é
uma narrativa do tipo mimético, pois elabora personagens a partir da
observação da vida empírica (fenomênica) com a função de representar estágios
de humanidade dos homens, representação esta baseada em um modelo universal
de humanidade. É dessa forma que a civilização ocidental, no período chamado
modernidade, vem construindo e mantendo seus princípios de ética, sua
estrutura política e seus modos de produção do conhecimento.” (p.37, l.25)
“[...] no palco
hoje só resta o jogo dos atores. Claro, ainda encontramos ali personagens e
efeitos imaginários ligados aos papéis. Mas são agora efeitos secundários,
que não sustentam mais a singularidade do teatro e não trazem mais em si nem
com eles a razão de sua necessidade. Isso que se designa como o jogo do ator ocupa hoje em dia todo o
espaço deixado livre, habita todo o palco. Sua necessidade intrínseca não
pode ser mais deduzida da necessidade de dar vida a personagens. Ele não
precisa mais atender a esta demanda. Ele estrutura sozinho o domínio,
responde por si: a necessidade do jogo
é o jogo. [...] Nossa questão não é mais fazer viver, nem, portanto,
viver papéis. Pode ser necessário faze-los viver, mas para fazer viver o
jogo. É o jogo que sustenta o papel, não mais o contrário. “ (Guénoun, 2004, apud André, 2011, p.58, l.23)
“Esse derramamento da arte para espaços e
ocasiões não convencionais transforma-a em ações de intervenções no ambiente
cultural, ressignificando esses espaços e o próprio fazer artístico.” (p.65,
l.7)
“[...] o teatro que se mostra assume
características de uma realidade mais imediata, mais fugaz: constitui-se da
contracena imediata com o receptor, de sua presença ativa. Por essa razão,
chama-se aqui de teatro da presentação,
diferenciando-o do teatro da representação
simbólica.” (p.65, l.14)
“[...] os atuantes de intervenções buscam
ampliar os domínios da arte do teatro afetando-se com elementos que podem ser
encontrados nas ruas, praças, situações cotidianas e que ainda não ganharam
uma estruturação artística consciente. E, tal como os dadaístas, eles não
procuram elementos belos para valorizar a imagem de sua cena. O que importa
em sua atitude é alcançar um certo estado
de atenção que lhes permite ser afetados por aquilo que está além do
conhecido ou por algo que está esquecido, mas ainda vivo na memória e no
imaginário dos desejos. Andando sem intencionalidade, sem procurar algo
específico, o atuante de intervenções tem a chance de “perceber” “elementos
inconscientes” encontrados no meio cultural. Uma vez afetado pelo mundo, o
artista propõe uma ação interativa com aquele elemento no espaço.” (p.66, l.15)
“A experiência da identificação não mais se
faz possível no teatro, posto que não mais se trata de um espaço freqüentado
por uma comunidade. A platéia da atualidade é formada por uma diversidade
incapaz de uma experiência única.” (p.75, l.28)
“Do mesmo modo que não há mais um discurso,
mas diversos, não há mais uma obra, mas diversas obras a serem concebidas por
um receptor-participante.” (p.76, l.12)
“Os espaços da cidade, com suas
características e com seu repertório de uso, interferem nos modos de
percepção. Esses usos são resultado de um conjunto de elementos: tipos de
construções e de usuários, zoneamento, trânsito de veículos e pessoas,
mecanismos de controle dos transeuntes, práticas cotidianas aí realizadas e
outros. É na interação com esses elementos que o artista compõe seu texto
cênico.” (p.76, l.26)
“A ação intervencionista [...] tem por meta
resistir às práticas condicionadoras da sensibilidade do cidadão, bem como
aos dispositivos de direcionamento das respostas politicamente corretas em
relação ao padrão desejado.“ (p.78, l.10)
“A participação do transeunte não é
direcionada, dessa maneira o artista deve estar preparado para jogar com a
multiplicidade: alguns compartilham da “malandragem” com o artista, outros
testam a eficiência tática do artista, outros ainda compartilham do sonho do
espaço coletivo, ou seja, cada jogador-transeunte se apropria diferentemente
dos signos oferecidos pelo artista conforme seus modos de pensar e exercer a
vida, conforme uma lógica e uma ética de vida pessoal.” (p.83, l.16)
“Do que se trata essa arte? Modos de cavar
espaços em lugares já dominados por uma significação e inventar usos
diferentes para esses lugares coletivos tais como ônibus, filas, calçadões,
lanchonetes, onde houver uma ocasião, exposições; enfim, atua-se onde se
reconhece um lugar saturado e enfraquecido pela vigilância. Desse modo,
rememora-se a função legitimadora e normatizadora de um espaço público
tradicional, revelando a contradição entre um lugar denominado “público”, e
que disciplina as trocas entre os indivíduos por meio da vigilância
normativa, e um espaço livre de trocas identitárias.” (p.84, l1).
“Se se levar em conta que se convive com a
presença simultânea de diferentes formas de teatro – dramático, teatro épico,
teatro mítico e teatro não dramático – e que eles só existem porque ainda são
necessários a um ou mais grupos de espectadores, não há nada que impeça de
pensar que as necessidades culturais são plurais – modernização, identidade
nacional, busca de táticas contra a hiperexposição, e assim por diante.
Parece, assim, interessante notar o quanto essas necessidades do teatro na
vida cultural caminham em paralelo com as necessidades do teatro no ambiente
escolar; mantê-las múltiplas é sinal de saúde.” (p.133, l.11)
“Detendo-se
nas práticas educativas do ensino básico, é fácil perceber que a ação que se pretende educativa está voltada às teorias do
teatro e práticas teatrais modernas. Esse fato explica ou justifica, em
parte, por que a atitude do professor de Artes tem se restringido a mediar os referenciais teóricos da
produção teatral da tradição com os referenciais culturais dos alunos. [...]
Essa atitude docente é, em nosso entender, o resultado de um pensamento que
compreende a arte como um bem inquestionável, como se a arte estivesse livre
das influências da vontade de poder.” (p.133, l.22)
“A imagem poética ilumina com tanta
intensidade nossa consciência que ela passa a ser, em sua recepção, uma
tomada de consciência.” (p.146, l.31)
“[..] ao compreender as formas repetidas pelos
alunos como reflexos de conteúdos adquiridos e não como tendências naturais,
leva a pensar em outros os modos de observação do professor que, em vez de
buscar as semelhanças dos comportamentos linguísticos, tal como Slade, se
lança à leitura das cenas dos amadores no intuito de reconhecer nelas um
certo adestramento que sua imaginação recebe do meio sociocultural,
observando o quanto esses modos aprendidos são condicionantes para a
elaboração de suas criações e concepções. Sendo assim, os conteúdos e formas
que se manifestam no jogo amador não mais seriam consideradas espontâneas no
sentido de livres de interferências do mundo social; ao contrário,
expressariam formas convencionadas pela vida cultural familiar, escolar e
divulgadas pelos meios de comunicação de massa. As cenas dos amadores acabam
por servir como diagnóstico das
imagens e estruturas lingüísticas que povoam o imaginário dos aprendizes e
que determinam, até certo ponto, sua imaginação, condicionando a repetição
indefinida de formas estereotipadas.” (p.160, l.18)
“A arte-educação, tal como o nome indica,
surge da aspiração de aproximar teatro e educação, “processo” e “produto”. É
nesse contexto que a prática dos jogos teatrais, desenvolvido pela
norte-americana Viola Spolin, entra no contexto brasileiro. A prática do
teatro-educação a partir dos jogos teatrais, sem eliminar os objetivos
expressivos do sujeito em formação, acrescenta o desenvolvimento das
habilidades cênicas no ensino do teatro em sala de aula.” (p.161, l.4)
“No jogo
teatral, a autora idealiza o sujeito da experiência como um sujeito total
ou sensível que atua com todas as suas capacidades: intelectivas, físicas,
emocionais e intuitivas. O princípio de realidade que rege essa corrente de
pensamento é acreditar que, atuando em sua totalidade, esse sujeito reconhece
a totalidade da realidade que o constitui, tendo condições de elaborar, ele
próprio, uma práxis apropriada para atuar de modo emancipado. [...] Nesse
contexto, as atividades artísticas entram no ambiente escolar com o propósito
de contribuir para que a criança se desenvolva como um todo, e não apenas em
seu intelecto, desbloqueando suas capacidades de expressão.” (p.161, l.13)
“Se os teatros de hoje apresentam espetáculos
que realizam o teatro dramático, o teatro épico, o teatro mítico e a performance, se na rua os artistas
executam intervenções com variações diversas, entende-se que a mesma
multiplicidade deva ser encontrada nas práticas escolares relacionadas ao
ensino do teatro.” (p.173, l.28)
“Imagina-se, então, um programa de ensino. Ele poderia ser renomeado sugestivamente por programação de eventos de arte na educação.
Programação porque não se trata mais de uma educação que tem por proposta a
elaboração de um projeto capaz de englobar as origens e as objetividades do
teatro (mundial ou ocidental, ou sul-americano ou nacional) na educação. O
trabalho do educador, entre outros, é o de recolher signos que ainda vivem na
vida cultural e acadêmica para serem submetidos a tensões criadas por
aproximações, com a finalidade de mover os sujeitos envolvidos a ponto de
abalar a fixidez dos valores consensuais de ambas as posições.” (p.174, l.31)
“Os modos
de apropriação dos signos não são induzidos a interpretações apenas
realistas. O grupo é estimulado a traduzir o outro (um texto lido, por
exemplo) em linguagem própria, livremente até que suas aproximações façam
acontecer a reinterpretação dos valores
dos signos.” (p.175, l.18)
“A produção artística entendida dessa maneira
não se reduzirá à busca de novas forma e conteúdos, possibilitando os
sujeitos envolvidos a se desviarem da obsessão pela novidade que o consumismo
de mercado quer-lhes impor. Nessas aulas, o que parecem falsificações e deformações
produzidas pelas interpretações dos indivíduos, sem deixar de o ser, não mais
são desvalorizadas como erros a serem corrigidos; ao contrário, elas serão
tematizadas; não para valorizá-las como verdades, mas para analisar as
motivações (vontade de saber) que a fazem presentes no presente. Nesse ponto,
a multiplicidade das interpretações que necessariamente surgirão nos momentos
de análise dos signos, servirá de contexto. O ensino deixa de transmitir conhecimentos (os modos de
construção da cena) para garantir a experiência da transcriação dos valores.” (p.175, l.28)
“A tática da ação cultural é exercida dentro e
fora do ambiente escolar, depende do jogo que se estabelece entre
propositores e participantes, dentro do espaço. Mas a cena aí inventada é
poesia no espaço e, como tal, constitui-se nele. Nos lugares que essa cena se
instala, seu efeito é o de perturbar aquilo que está fixo, ressignificando os
signos, mudando o valor das coisas do lugar. Por exemplo, o banheiro da
escola não é mais um cenário realista, mas um esconderijo; as grades não são
mais o símbolo da segurança e da integridade dos que estão dentro, mas o
aprisionamento daqueles que estão estudando, em contrate à liberdade dois que
estão fora; do mesmo modo, o vestuário não é mais o uniforme, mas um símbolo
de identidade, e assim por diante.” (p.196, l.15)
“Olhando a arte por um certo ângulo, nota-se
que o grande problema que os professores de arte enfrentam atualmente está no
uso que a educação faz dela na escola; sua instrumentalização para algo que
lhe é estranho. Se a arte é educativa é porque ela mesma propõe experiências
que são formas de conhecimento. Se a arte pode contribuir para o ensino,
ampliar seu alcance para outras racionalidades, é sendo ela mesma e não arte
educativa ou arte para a educação . [...] Não se quer dizer que a arte seja
desinteressada, tal como se pensava no século XIX, mas que esta só interessa
quando está atuando em seu próprio.”
(p.200, l.4)
“Propomos que as aulas de teatro atentem para
os sinais de crise que estão presentes nos lugares mais cotidianos, que
professores e alunos olhem para as instalações dos prédios onde atuam, que
percebam quais são os sujeitos de tais práticas escolares e as relações de
poder existentes. Talvez, a arte que se faz a
partir do cotidiano nada mais seja que um “pequeno trabalho”, feito de
ações que podem nos levar a pequenas intervenções no cotidiano, incluindo as
educativas.” (p.211, l.21)
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Comentário pessoal
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Segundo a autora, os artistas
intervencionistas buscam “alcançar um certo estado de atenção que lhes permite ser afetados por aquilo que está
além do conhecido ou por algo que está esquecido, mas ainda vivo na memória e
no imaginário dos desejos” (p.66, l.20). Esse estado de atenção requisitado, segundo
a autora, para a realização da intervenção cênica, remete ao
trabalho do palhaço, que também precisa estar num estado em que as pequenas
coisas à sua volta o afetem para que com elas interaja. Apenas nesse estado
de “ingenuidade” frente às coisas comuns o palhaço conseguiria ser
verdadeiro. Isto porque, a arte do palhaço também é intervencionista.
Uma vez que a arte da intervenção se faz no
momento e a partir dos elementos disponíveis no espaço utilizado, dispensando
um texto previamente elaborado, a principal fonte para a criação vem das
materialidades que ora que se apresentam à disposição do atuante (objetos,
postes, bancos, transeuntes, intervenções do público, sons, chuva, etc.).
Porquanto o teatro não apresenta mais uma obra
acabada com intuito de reproduzir a realidade e “ensinar” ao público padrões
desejados, o papel do receptor passa a ser também de produtor, interpretando
e preenchendo as lacunas deixadas pela encenação para chegar à sua própria
compreensão do espetáculo não mais assistido, mas vivenciado.
Essa prática subversiva dos padrões
comportamentais cotidianos e das relações convencionais com as materialidades
disponíveis exercita nas pessoas em volta a prática de um olhar diferenciado,
que foge aos padrões impostos pela elite detentora dos meios de produção e
comunicação em massa, que ditam as normas vigentes.
A prática intervencionista pode ser
caracterizada como uma forma de cultura que opta por ser popular. Isso
compreendendo povo, assim como propõe Boal, como aqueles que dependem dos
meios de produção alheios. Nessa forma de produção artística, a produção é
compartilhada e o público também compõe o espetáculo, podendo, se assim
desejar, apropriar-se de meios de produção daquela obra naquele momento. Por
isso podemos entender que o artista de intervenção opta por ser popular e
partilhar seus meios de produção com o público.
Todavia, convém ressaltar que apenas nessa
experiência o público não se apropria dos meios de produção de forma a se
sentir capacitado para posteriormente o fazer sozinho, sem a necessidade do
artista intervencionista, o que fragiliza essa linha de raciocínio.
O conceito de sujeito total pressuposto por
Spolin e considerado por André, vai ao encontro da definição de ludicidade:
[...] no estado lúdico o ser humano está inteiro, ou seja, está
vivenciando uma experiência que integra sentimento, pensamento e ação, de
forma plena. A vivência se dá nos níveis corporal, emocional, mental e
social, de forma integral e integrada. Esta experiência é própria de cada
indivíduo, se processa interiormente e de forma peculiar em cada história
pessoal. Portanto, só o indivíduo pode expressar se está em estado lúdico. Uma
determinada brincadeira pode ser lúdica para uma pessoa e não ser para outra.
(BACELAR, p.25, l.3)
Desta forma, apreendemos que, apenas
vivenciando um estado lúdico o educando pode se desenvolver como um todo, de
forma integrada.
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Utilização de materialidades no processo criativo
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Elementos disponíveis no espaço, encarados de forma
não usual.
Exemplos: potes de gelatina,
marcação com fita crepe, ônibus, mesa, cabides, transeuntes, casas e
construções...
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OUTRAS OBRAS CITADAS:
BACELAR, Vera. Ludicidade e Educação
Infantil, Salvador: EDUFBA, 2009.