Cecília Almeida Salles





Referências
bibliográficas


SALLES, Cecília Almeida. Redes da Criação: Construção da obra de arte. Vinhedo: Horizonte, 2006.

Breve resumo
A obra dá continuidade a proposta iniciada no livro “Gesto Inacabado”, que busca compreender os processos de construção da obra de arte através dos documentos deixados pelos artistas durante o processo de criação relacionando-os com a obra entregue ao público.

Para Sales, a obra nunca esta realmente acabada. É um eterno processo, mesmo depois de entregue ao público, e seu processo criativo é influenciado por uma série de fatores externos e internos, que agem em rede.

Transcrições de citações mais importantes

“Pretendemos, com as reflexões que esses documentos proporcionam, oferecer uma outra maneira de se aproximar da arte, que incorpora seu movimento construtivo.” (p.13, l.11)

“Cada versão contém, potencialmente, um objeto acabado e o objeto considerado final representa, de forma potencial, também, apenas um dos momentos do processo.” (p.26, l.28)

“Se o pensamento é relacional, há sempre signos prévios e futuros. Esta abordagem do movimento criador, como uma complexa rede de inferências, reforça a contraposição à visão da criação como uma inexplicável revelação sem história, ou seja, uma descoberta sem passado, só com o futuro glorioso que a obra materializa.” (p.27, l.3)

“Uma decisão do artista tomada em determinado momento tem relação com outras anteriores e posteriores. Do mesmo modo, a obra vai se desenvolvendo por meio de uma série de associações ou estabelecimento de relações. A “anotação no guradanapo do bar”, muitas vezes, não é nada mais que a tentativa de não deixar uma associação se perder.” (p.27, l.22)

“A continuidade nos leva ainda a observar que nunca se sabe com precisão onde o processo se inicia e finda. É sempre vã a tentativa de determinar a origem de uma obra e seu ponto final. Sob a perspectiva das inferências, redes de interações, observamos uma diversidade de conexões que parece propiciar uma obra e, do mesmo modo, diferentes desdobramentos de uma obra entregue ao público. A progressão potencialmente infinita pode ser percebida nas modificações que dão origem a outra edição, outra apresentação, outra exposição ou outra montagem. Podemos também encontrar temas sendo revistos, personagens reaproveitados etc. Pode-se falar que o artista mostra publicamente sua obra em instantes em que o “ponto final” é suportável. Temos assim uma definição mais aprofundada do movimento da criação, que nos leva a falar de sua continuidade sem demarcações de origens e fins absolutos.” (p.59, l.24, grifo da autora)

“A continuidade do processo enfrenta diferentes ritmos de trabalho. São inúmeras as notas, em documentos que acompanham a produção de obras, lamentando fases de falta de ritmo, cobrando mudanças de ritmo ou aproveitando momentos de ritmo adequado. A qualidade da produção não está, necessariamente, associado a velocidade. [...] Essa continuidade envolve esperas. A relação do artista com sua matéria-prima – palavra, tinta etc... – é estabelecida na tensão entre suas propriedades e sua potencialidade.” (p.60, l.26)

“os escritórios da criação guardam ainda um outro tipo de espera: o “tempo da gaveta”. Obras em construção aguardam a avaliação do artista para serem mostradas ao público. A obra espera pelo tempo do artista. Essas avaliações podem causar novas alterações e, consequentemente, a continuidade da experimentação. Esse tempo é potencialemnte sem fim, é o tempo do inacabamento. O gesto é sempre inacabado.” (p.61, l.28)

“Como vemos, as esperas nos levam naturalmente a simultaneidade, que pode assim ser observada sob dois pontos de vista. O processo de construção de obras implica maturação, que exige o tempo de espera, como acabamos de discutir. Isto leva muitos artistas a trabalharem diversas obras simultaneamente. Enquanto uma está sendo manipulada, outras aguardam sua atenção futura.
Por outro lado, esta permanente avaliação do artista está inserida na continuidade do percurso e em sua incompletude, que lhes é inerente: há sempre uma diferença entre aquilo que se concretiza e o projeto do artista que está sempre por ser realizado. Esta relação entre o que se tem e o que se quer é traduzida por tentativas de adequações. Como consequencia, o artista convive, por vezes, com uma grande diversidade de possibilidades de obras.” (p.61, l.34)

“O espaço e o tempo sociais da criação estão permanentemente interagindo com a individualidade do artista. Nessa discussão dos diferentes ângulos do tempo e do espaço nos localizamos melhor em meio à complexa operação poética. Cabe-nos compreender como, nesse clima de turbulência, tudo o que passa a fazer parte daquilo que envolve as construções das obras é processado pelo artista e pela obra. Um possível caminho para essa aproximação é discutir a relação entre percepção e memória e o modo como os recursos criativos são utilizados pelo artista, ou seja, o espaço da subjetividade transformadora.” (p.65, l.19)

“a cultura é uma Inteligência coletiva e uma memória coletiva, isto é, um mecanismo supra-individual de conservação e transmissão de certos comunicados (textos) e da elaboração de outros novos. Nesse sentido, o espaço da cultura pode ser definido como um espaço de certa memória comum, isto é, um espaço dentro de cujos limites alguns textos comuns podem se conservar e ser atualizados”. (LOTMAN, 1998, p.157, apud SALLES, 2006, p.66, l.9)

“Podemos, assim, perceber, mais uma vez, esse paralelismo entre os modos de ação da cultura e aqueles do indivíduo [...]. Ao falar de esquecimento (estratégias que proporcionam lembranças e outras que propiciam esquecimento), de conservação, transmissão e atualização de textos, estamos discutindo também modos de desenvolvimento do pensamento do indivíduo e de suas lembranças, uma das matérias-primas da criação.” (p.67, l.11)

“os artistas não fazem seus registros, necessariamente, nas linguagens nas quais as obras se concretizarão; estes apontamentos, quando necessário, passam por traduções ou passagens para outros códigos. As linguagens que compõem esse tecido e as relações estabelecidas entre elas dão singularidade a cada processo. Percebemos, portanto, que há uma estreita relação entre as tramas semióticas dos processos e o modo de desenvolvimento do pensamento de cada indivíduo.” (p.95, l.18)

“Assim como não se pode falar em lócus da criatividade, toda nossa discussão mostrou a impossibilidade de se definir um lugar específico onde a criação acontece. Os momentos sensíveis que são percebidos pelo artista como possíveis encontros ou descobertas estão espalhados ao longo do processo: nas anotações das caminhadas, no encontro de “pedras” instigantes, na relação com obras de outros artistas, na leitura de um pensador, no encontro de uma solução para um problema, na correção de um erro, no acolhimento o casão etc.” (p.152, l.3)

“Durante nossas reflexões, observamos a impossibilidade de se estabelecer uma separação entre o artista e seu projeto poético e a necessidade de se observar os processos de criação como espaço de constituição da subjetividade. Obras e artista não só estão imbricados de modo vital, como estão sempre em mobilidade. São redes em permanente constituição.” (p.152, l.13)

Comentário pessoal

A criação acontece em redes porque tudo o que cerca o artista pode interferir na obra e vice-versa, mudando o percurso criativo, oferecendo alternativas para a criação que resultariam em outras obras ou mesmo fomentando a construção de uma outra obra em paralelo ou posterior.

Essa visão da criação artística reforça a nossa crença de que a arte, particularmente o teatro, pode ser praticada por qualquer pessoa, sem necessidade de uma formação artística prévia, e que a obra artística é resultado de muito trabalho e não de uma inspiração sem explicação, o que embasa o nosso trabalho em sala de aula.

“Todas as pessoas são capazes de atuar no palco. Todas as pessoas são capazes de improvisar. As pessoas que desejarem são capazes de jogar e aprender a ter valor no palco. “ (SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. São Paulo: Perspectiva, 2008, p.3, l.1)

Todo o processo, a seleção dos estímulos e a forma das combinações é muito subjetivo. Uma análise do processo através desses registros deve ser muito cuidadosa e pressupõe um certo conhecimento do subjetivismo do criador para que se possa buscar imaginar como ele estabeleceu as relações. A análise dos registros deixados pelo artista durante o processo pode auxiliar essa pesquisa.

Utilização de materialidades no processo criativo

 Sonho, museus, cartas, outras obras, jornal.




OBSERVAÇÕES PESSOAIS E DESTAQUES:

“Estética do processo”

A obra nunca esta realmente acabada. É um eterno processo, mesmo depois de entregue ao público.

Dá continuidade a proposta iniciada no livro “Gesto Inacabado”, que busca compreender os processos de construção da obra de arte através dos documentos deixados pelos artistas durante o processo de construção relacionando-os com a obra entregue ao público.   -  “Percursos de criação”.

“Pretendemos, com as reflexões que esses documentos proporcionam, oferecer uma outra maneira de se aproximar da arte, que incorpora seu movimento construtivo.” (SALLES, 2006, p.13, l.11)

“Cada versão contém, potencialmente, um objeto acabado e o objeto considerado final representa, de forma potencial, também, apenas um dos momentos do processo.” (SALLES, 2006, p.26, l.28)

A criação acontece em redes porque tudo o que cerca o artista pode interfeir na obra e vice-versa, mudando o percurso criativo, oferendo alternativas para a criação que resultariam em outras obras ou mesmo fomentando a construção de uma outra obra em paralelo ou posterior.

“Se o pensamento é relacional, há sempre signos prévios e futuros. Esta abordagem do movimento criador, como uma complexa rede de inferências, reforça a contraposição à visão da criação como uma inexplicável revelação sem história, ou seja, uma descoberta sem passado, só com o futuro glorioso que a obra materializa.” (SALLES, 2006, p.27, l.3)

“Uma decisão do artista tomada em determinado momento tem relação com outras anteriores e posteriores. Do mesmo modo, a obra vai se desenvolvendo por meio de uma série de associações ou estabelecimento de relações. A “anotação no guradanapo do bar”, muitas vezes, não é nada mais que a tentativa de não deixar uma associação se perder.” (SALLES, 2006, p.27, l.22)


Na sequencia, a autora diz que, dentre as influências possíveis para a criação, estão outras obras de arte e ressalta a importância de um cenário de efervescência cultural para estimular a creiação. Fala também da influência da tradição, através da apreciação dos predecessores, e do diálogo com os contemporâneos, bem como da relação com o espaço de trabalho, seja ele externo ou interno.


“A continuidade nos leva ainda a observar que nunca se sabe com precisão onde o processo se inicia e finda. É sempre vã a tentativa de determinar a origem de uma obra e seu ponto final. Sob a perspectiva das inferências, redes de interações, observamos uma diversidade de conexões que parece propiciar uma obra e, do mesmo modo, diferentes desdobramentos de uma obra entregue ao público. A progressão potencialemnte infinita pode ser percebida nas modificações que dão origem a outra edição, outra apresentação, outra exposição ou outra montagem. Podemos também encontrar temas sendo revistos, personagens reaproveitados etc. Pode-se falar que o artista mostra publicamente sua obra em instantes em que o “ponto final” é suportável. Temos assim uma definição mais aprofundada do movimento da criação, que nos leva a falar de sua continuidade sem demarcações de origens e fins absolutos.” (SALLES, 2006, p.59, l.24, grifo da autora)

“A continuidade do processo enfrenta diferentes ritmos de trabalho. São inúmeras as notas, em documentos que acompanham a produção de obras, lamentando fases de falta de ritmo, cobrando mudanças de ritmo ou aproveitando momentos de ritmo adequado. A qualidade da produção não está, necessariamente, associado a velocidade. [...] Essa continuidade envolve esperas. A relação do artista com sua matéria-prima – palavra, tinta etc... – é estabelecida na tensão entre suas propriedades e sua potencialidade.” (SALLES, 2006, p.60, l.26)

“os escritórios da criação guardam ainda um outro tipo de espera: o “tempo da gaveta”. Obras em construção aguardam a avaliação do artista para serem mostradas ao público. A obra espera pelo tempo do artista. Essas avaliações podem causar novas alterações e, consequentemente, a continuidade da experimentação. Esse tempo é potencialemnte sem fim, é o tempo do inacabamento. O gesto é sempre inacabado.” (SALLES, 2006, p.61, l.28)

“Como vemos, as esperas nos levam naturalmente a simultaneidade, que pode assim ser observada sob dois pontos de vista. O processo de construção de obras implica maturação, que exige o tempo de espera, como acabamos de discutir. Isto leva muitos artistas a trabalharem diversas obras simultaneamente. Enquanto uma está sendo manipulada, outras aguardam sua atenção futura.
Por outro lado, esta permanente avaliação do artista está inserida na continuidade do percurso e em sua imcompletude, que lhes é inerente: há sempre uma diferença entre aquilo que se concretiza e o projeto do artista que está sempre por ser realizado. Esta relação entre o que se tem e o que se quer é traduzida por tentativas de adequações. Como consequencia, o artista convive, por vezes, com uma grande diversidade de possibilidades de obras.” (SALLES, 2006, p.61, l.34)

“O espaço e o tempo sociais da criação estão permanentemente interagindo com a individualidade do artista. Nessa discussão dos diferentes ângulos do tempo e do espaço nos localizamos melhor em meio à complexa operação poética. Cabe-nos compreender como, nesse clima de turbulência, tudo o que passa a fazer parte daquilo que envolve as construções das obras é processado pelo artista e pela obra. Um possível caminho para essa aproximação é discutir a relação entre percepção e memória e o modo como os recursos criativos são utilizados pelo artista, ou seja, o espaço da subjetividade transformadora.” (SALLES, 2006, p.65, l.19)

“a cultura é uma Inteligência coletiva e uma memória coletiva, isto é, um mecanismo supra-individual de conservação e transmissão de certos comunicados (textos) e da elaboração de outros novos. Nesse sentido, o espaço da cultura pode ser definido como um espaço de certa memória comum, isto é, um espaço dentro de cujos limites alguns textos comuns podem se conservar e ser atualizados”. (LOTMAN, 1998, p.157, apud SALLES, 2006, p.66, l.9)

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                               “Podemos, assim, perceber, mais uma vez, esse paralelismo entre os modos de ação da cultura e aqueles do indivíduo [...]. Ao falar de esquecimento (estratégias que proporcionam lembranças e outras que propiciam esquecimento), de conservação, transmissão e atualização de textos, estamos discutindo também modos de desenvolvimento do pensamento do indivíduo e de suas lembranças, uma das matérias-primas da criação.” (SALLES, 2006, p.67, l.11)

 A memória é registrada se uma forte impressão for deixada e as percepções são, por sua vez, influenciadas pela memória, que podem sofrer modificações a partir de novas percepções, num ciclo. Assim também a imaginação é ativada pela memória, que pode ser modificada pela imaginação. As anotações e registros dos artistas são tentativas de evitar que determinadas impressões sejam esquecidas.

“os artistas não fazem seus registros, necessariamente, nas linguagens nas quais as obras se concretizarão; estes apontamentos, quando necessário, passam por traduções ou passagens para outros códigos. As linguagens que compõem esse tecido e as relações estabelecidas entre elas dão singularidade a cada processo. Percebemos, portanto, que há uma estreita relação entre as tramas semióticas dos processos e o modo de desenvolvimento do pensamento de cada indivíduo.” (SALLES, 2006, p.95, l.18)

“Assim como não se pode falar em lócus da criatividade, toda nossa discussão mostrou a impossibilidade de se definir um lugar específico onde a criação acontece. Os momentos sensíveis que são percebidos pelo artista como possíveis encontros ou descobertas estão espalhados ao longo do processo: nas anotações das caminhadas, no encontro de “pedras” instigantes, na relação com obras de outros artistas, na leitura de um pensador, no encontro de uma solução para um problema, na correção de um erro, no acolhimento o casão etc.” (SALLES, 2006, p.152, l.3)

“Durante nossas reflexões, observamos a impossibilidade de se estabelecer uma separação entre o artista e seu projeto poético e a necessidade de se observar os processos de criação como espaço de constituição da subjetividade. Obras e artista não só estão imbricados de modo vital, como estão sempre em mobilidade. São redes em permanente constituição.” (SALLES, 2006, p.152, l.13)


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