A Poética do Espaço


FICHA DE LEITURA

Referências
bibliográficas

BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1993. Introdução a cap. II. p.1 – 85. 

Breve resumo
Bachelard busca, nessa obra, estabelecer uma fenomenologia da imaginação, entendendo o surgimento da imagem poética na imaginação individual e como ela pode, sendo individual, ter imediata representação para a subjetividade de outros indivíduos.

Ainda na introdução, para explicar a simplicidade e ingenuidade do surgimento de uma imagem poética, o autor estabelece uma diferenciação entre alma e espírito. Para ele, a criação procede dos sentimentos da alma, antes de passar pela avaliação racional do espírito, que só acontece num segundo momento. Diferencia, ainda – a fim de compreendermos a ação da imagem poética sobre o receptor – ressonância de repercussão. Ressonância seria um primeiro momento na recepção da imagem poética, quando esta atinge as profundezas do nosso ser. Já a repercussão seria a conseqüência disso, quando nos apropriamos da obra gerando desdobramentos.

Salienta ainda que não pretende, na obra, analisar todo o processo criativo que resulta no poema acabado, pois esse precede de uma série de elementos e processos complexos. O objetivo aqui é trabalhar com o surgimento da imagem poética primeira.

Bachelard detêm-se, então, na avaliação da casa como espaço do devaneio. Para tal, refere-se à função primeira da casa como espaço de proteção e explica que, nas lembranças, realidade e devaneio se fundem. Em seguida, analisa particularidades dos espaços da casa relacionando com os refúgios da lembrança e da imaginação (a essa análise dá o nome de topoanálise), concluindo que a função do espaço, nesse caso, é a de reter o tempo.

Transcrições de citações mais importantes

  • Introdução

“A imagem poética não está sujeita a um impulso. Não é o eco de um passado. É antes o inverso: com a explosão de uma imagem, o passado longínquo ressoa de ecos e já não vemos em que profundezas esses ecos vão repercutir e morrer. Em sua novidade, em sua atividade, a imagem poética tem um ser próprio, um dinamismo próprio. Procede de uma ontologia direta. É com essa ontologia que desejamos trabalhar.” (p.2, l.2, grifo do autor)

“O poeta não me confere o passado de sua imagem, e no entanto ela se enraíza imediatamente em mim. A comunicabilidade de imagem singular é um fato de grande significação ontológica.” (p.2, l.20)

“Para esclarecer filosoficamente o problema da imagem poética, é preciso chegar a uma fenomenologia da imaginação. Esta seria um estudo do fenômeno da imagem poética quando a imagem emerge na consciência como um produto direto do coração, da alma, do ser do homem tomado em sua atualidade.” (p.2, l.32)

“Em sua simplicidade, a imagem não tem necessidade de um saber. Ela é a dádiva de uma consciência ingênua. Em sua expressão, é uma linguagem de criança. Para bem especificar o que pode ser uma fenomenologia da imagem, para especificar que a imagem vem antes do pensamento, seria necessário dizer que a poesia é, mais que uma fenomenologia do espírito, um fenomenologia da alma.” (p.4, l.21)

“O espírito pode relaxar-se; mas no devaneio poético a alma está de vigília, sem tensão, repousada e ativa. Para fazer um poema completo, bem estruturado, será preciso que o espírito se prefigure em projetos. Mas para uma simples imagem poética não há projeto, não lhe é necessário mais que um movimento da alma. Numa imagem poética a alma afirma sua presença.” (p.6, l.17)

“As ressonâncias dispersam-se nos diferentes planos da nossa vida no mundo; a repercussão convida-nos a um aprofundamento da nossa própria existência. Na ressonância ouvimos o poema; na repercussão o falamos, ele é nosso. A repercussão opera uma inversão do ser. Parece que o ser do poeta é o nosso ser. A multiplicidade das ressonâncias sai então da unidade de ser da repercussão.” (p.7, l.5)

“É depois da repercussão que podemos experimentar ressonâncias, repercussões sentimentais, recordações do nosso passado. Mas a imagem atingiu as profundezas antes de emocionar a superfície.” (p.7, l.31)

“Ao recebermos uma imagem poética nova sentimos seu valor de intersubjetividade. Sabemos que a repetiremos para comunicar o nosso entusiasmo. Considerada na transmissão de uma alma para outra, uma imagem poética foge às pesquisas de causalidade. As doutrinas timidamente causais, como a psicologia, ou fortemente causais, como a psicanálise, não podem determinar a ontologia do poético. Nada prepara uma imagem poética: nem a cultura, no modo literário, nem a percepção, no modo psicológico.” (p.8, l.27).

“Limitando dessa maneira nossa pesquisa à imagem poética em sua origem a partir da imaginação pura, deixemos de lado o problema da composição do poema como agrupamento de imagens múltiplas. Nessa composição do poema intervêm elementos psicologicamente complexos que associam a cultura menos ou mais distante e o ideal literário de um tempo, componentes que uma fenomenologia completa deveria sem dúvida examinar. Mas um programa tão vasto poderia prejudicar a pureza das observações fenomenológicas, decididamente elementares, que queremos apresentar.” (p.9, l.5).

“Em poesia, o não-saber é uma condição prévia; se há ofício no poeta, é na tarefa subalterna de associar imagens. Mas a vida da imagem está toda em sua fulgurância, no fato de que a imagem é uma superação de todos os dados da sensibilidade.” (p.16, l.26)

“O espaço percebido pela imaginação não pode ser o espaço indiferente entregue à mensuração e à reflexão do geômetra. É um espaço vivido. E vivido não em sua positividade, mas com todas as parcialidades da imaginação.” (p.19, l.14).

  • Capítulo I: A Casa. Do porão ao sótão. O sentido da cabana.

“[...] não se trata de descrever casas, de promenorizar-lhes os aspectos pitorescos e de analisar as razões do seu conforto. É preciso, ao contrário, superar os problemas da descrição – seja ela objetiva ou subjetiva, isto é, quer se refira a fatos ou a impressões – para atingir as virtudes primárias, aquelas em que se revela uma adesão inerente, de certo modo, à função original do habitar. O geógrafo, o etnógrafo podem descrever os mais variados tipos de habitação. Sobre essa variedade, o fenomenólogo faz o esforço necessário para compreender o germe da felicidade central, segura, imediata. Encontrar a concha inicial em toda moradia, no próprio castelo – eis a tarefa básica do fenomenólogo.” (p.24, l.3)

“A casa, como o fogo, como a água, nos permitirá evocar, na seqüência de nossa obra, luzes fugidias de devaneio que iluminam a síntese do imemorial com a lembrança. Nessa região longínqua, memória e imaginação não se deixem dissociar. Ambas trabalham para seu aprofundamento mútuo. Ambas constituem na ordem dos valores, uma união da lembrança com a imagem.” (p.25, l.21).

“Assim, a casa não vive somente no dia-a-dia, no curso de uma história, na narrativa da nossa história. Pelos sonhos, as diversas moradas de nossa vida se interpenetram e guardam os tesouros dos dias antigos.” (p.25, l.27).

“Então, os lugares onde se viveu o devaneio reconstituem-se por si mesmos num novo devaneio. É exatamente porque as lembranças das antigas moradas são revividas como devaneios que as moradas do passado são imperecíveis dentro de nós.” (p.26, l.16, grifo do autor)

“Nosso objetivo está claro agora: pretendemos mostrar que a casa é uma das maiores (forças) de integração para os pensamentos, as lembranças e os sonhos do homem. Nessa integração, o princípio de ligação é o devaneio.” (p.26, l.21)

“Logicamente, é graças à casa que um grande número de nossas lembranças estão guardadas e quando a casa se complica um pouco, quando tem um porão e um sótão, cantos e corredores, nossas lembranças tem refúgios cada vez mais bem caracterizados. A eles regressamos durante toda a vida, em nossos devaneios. [...] A topoanálise seria então o estudo psicológico sistemático dos locais de nossa vida íntima. Nesse teatro do passado que é  a memória, o cenário mantém os personagens em seu papel dominante. Por vezes acreditamos conhecer-nos no tempo, ao passo que se conhece apenas uma série de fixações nos espaços da estabilidade do ser [...]. Em seus mil alvéolos, o espaço retém o tempo comprimido. É essa a função do espaço.” (p.27, l.29)

“Não podemos reviver as durações abolidas. Só podemos pensá-las, pensa-las na linha de um tempo abstrato privado de qualquer espessura. É pelo espaço, é no espaço que encontramos os belos fósseis de duração concretizados por longas permanências. O inconsciente permanece nos locais. As lembranças são imóveis, tanto mais sólidas quanto mais bem espacializadas.” (p.28, l.35)

“De que serviria, por exemplo, dar a planta do aposento que foi realmente o meu quarto, descrever o quartinho do fundo de um sótão, dizer que da janela, através de um vão no teto, se via colina? Só eu, em minhas lembranças de outro século, posso abrir o armário profundo que guarda ainda, só pra mim, o cheiro único, o cheiro das uvas que secam na grade. O cheiro da uva! Cheiro-limite, é preciso muita imaginação para senti-lo. Mas já falei demais sobre ele. Se dissesse mais, o leitor não abriria, em seu quarto reencontrado, o armário único, o armário com cheiro único, que assinala uma intimidade. Para evocar os valores de intimidade , é necessário, paradoxalmente, induzir o leitor ao estado de leitura suspensa. É no momento em que os olhos do leitor deixam o livro que a evocação de m eu quarto pode tornar-se um umbral de onirismo para outrem. Então, quando é um poeta que fala, a alma do leitor repercute, conhece essa repercussão que, como diz Minkowski, devolver ao ser a energia de uma origem.” (p.32, l.28)

“Os valores de intimidade são tão absorventes que o leitor já não lê o seu quarto: revê o dele.” (p.33, l.22)

“Mais que um centro de moradia, a casa natal é um centro de sonhos. Cada um de seus redutos foi um abrigo de devaneio. E o abrigo não raro particularizou o devaneio. Foi aí que adquirimos hábitos de devaneio particular.” (p.34, l.18)

“Se não tivesse existido um centro compacto de devaneios de repouso na casa natal, as circunstâncias tão diferentes que envolvem a vida verdadeira teriam confundido as lembranças. [...] É no plano do devaneio, e não no plano dos fatos, que a infância permanece em nós viva e poeticamente útil. Por essa infância permanente, preservamos a poesia do passado.” (p.35, l.5)

“Assim, para além de todos os valores positivos de proteção, na casa natal se estabelecem valores de sonho, últimos valores que permanecem quando a casa não mais existe. Centros de tédio, centros de solidão, centros de devaneio, se agrupam para constituir a casa onírica, mais duradoura que as lembranças dispersas na casa natal.” (p.35, l.32)

“E não esqueçamos que são esses valores de sonho que se comunicam poeticamente de alma para alma. A leitura dos poetas é essencialmente devaneio.” (p.36, l.1)

“Nós nos tornaremos sensíveis a essa dupla polaridade vertical da casa se nos tornarmos sensíveis à função de habitar a ponto de fazer dela uma réplica imaginária da função de construir. Os andares elevados, o sótão, o sonhador os “edifica” e os reedifica bem edificados. Com os sonhos na altitude clara estamos, convém repetir, na zona racional dos projetos intelectualizados. Mas, quanto ao porão, o habitante apaixonado cava-o cada vez mais, tornando ativa sua profundidade. O fato não basta, o devaneio trabalha. Com relação à terra cavada, os sonhos não têm limite.” (p.37, l.3)

“Os edifícios, na cidade, têm apenas uma altura exterior. Os elevadores destroem os heroísmos da escada. Já não há mérito em morar perto do céu. E o em casa não é mais que uma simples horizontalidade.“ (p.44, l.30)

“À falta de valores íntimos de verticalidade, é preciso acrescentar a falta de cosmicidade da casa das grandes cidades. As casas, ali, já não estão na natureza. As relações de moradia com o espaço tornam-se artificiais.” (p.45, l.3)

“Na página de Bachelin, a cabana revela-se como a raiz axial da função de habitar. Ela é a planta humana mais simples, aquela que não precisa de ramificações para subsistir. É tão simples que não pertence mais às lembranças, tantas vezes excessivamente carregadas de imagens. Pertence às lendas.” (p.48, l.34)

“As grandes imagens têm ao mesmo tempo uma história e uma pré-história. São sempre lembrança e lenda ao mesmo tempo. Nunca se vive a imagem em primeira instância. Toda grande imagem tem um fundo onírico insondável e é sobre esse fundo onírico que o passado pessoal coloca cores particulares.” (p.50, l.1)

“Com a cabana, com a luz que vela no horizonte distante, acabamos de indicar em sua forma mais simplificada a condensação de intimidade do refúgio.” (p.53, l.13)

  • Capítulo II: Casa e universo.

“Na literatura, a dialética da casa e do universo é simples demais. A neve, em particular, aniquila com excessiva facilidade o mundo exterior. Ela universaliza o universo em uma única totalidade. Numa palavra, na palavra neve, o universo é expresso e suprimido para o ser abrigado. [...] No mundo fora da casa, a neve apaga os passos, embaralha os caminhos, abafa os ruídos, mascara as cores. Sente-se em ação uma negação cósmica pela brancura universal. O sonhador da casa sabe tudo isso, sente tudo isso, e pela diminuição do ser do mundo exterior sente um aumento de intensidade de todos os valores de intimidade.” (p.57, l.16)

“A casa e o universo não são simplesmente dois espaços justapostos. No reino da imaginação, ambos se atiram reciprocamente em devaneios opostos.” (p.59, l.24)

“Quando duas imagens singulares, obras de dois poetas que vivenciam separadamente seu devaneio, se encontram, parece que se reforçam mutuamente. Essa convergência de duas imagens excepcionais proporcionam, de certa forma, uma confirmação para a pesquisa fenomenológica. A imagem perde a sua gratuidade. O livre jogo da imaginação já não é uma anarquia.” (p.73, l.13)

“Por vezes, a casa do futuro é mais sólida, mais clara, mais vasta que todas as casas do passado. No oposto da casa natal, trabalha a imagem da casa sonhada.” (p.74, l.20)

“Assim, a casa sonhada deve ter tudo. Por mais amplo que seja seu espaço, ela deve ser uma choupana, um corpo de pomba, um ninho, uma crisálida. A intimidade tem necessidade do âmago de um ninho.” (p.78, l.23)

“Devemos falar dos devaneios que acompanham as atividades domésticas. O que guarda ativamente a casa, o que na casa une o passado mais próximo e o futuro mais próximo, o que a mantém numa segurança de ser, é a atividade doméstica. [...] No momento em que acrescentamos um clarão de consciência ao gesto maquinal. No momento em que fazemos fenomenologia esfregando um velho móvel, sentimos nascerem, sob o terno hábito doméstico, impressões novas. A consciência rejuvenesce tudo. Dá aos atos mais familiares um valor de começo.” (p.79, l.28)

“Toda grande imagem simples revela um estado de alma. A casa, mais ainda que a paisagem, é “um estado de alma”. Mesmo reproduzida em seu aspecto exterior, ela fala de uma intimidade.” (p.84, l.15)

Comentário pessoal

Bachelard usa como referência na sua obra a poesia escrita, a literatura. A imagem poética a que se refere é aquela que vai originar/constituir um poema. Podemos, no entanto, inferir sua teoria para toda imagem poética, entendo por poesia toda a criação artística que, por sua vez, fala de alma para alma.

O autor explica que as memórias não se situam no tempo, mas em espaços. Esses espaços têm a função de “conter” determinado tempo. Eis a importância do espaço para a memória e o devaneio.

Para o autor, ao tomar contato com uma poesia, o leitor não pode visualizar a imagem do espaço vivido pelo autor, mas vai reviver seu próprio espaço vivido no passado através do fenômeno da repercussão.

Bachelard se utiliza de diversos exemplos de textos de variados poetas para ilustrar as suas idéias. Além disso, apesar de visar transmitir concepções claras ao leitor, sua forma de escrita é também poética.

Utilização de materialidades no processo criativo

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por Érica Lopes
dez/12

A cena da Novos Novos, percursos de um teatro com crianças e adolescentes


FICHA DE LEITURA

Referências
bibliográficas

LANDIM, Débora. A cena da Novos Novos, percursos de um teatro com crianças e adolescentes. Salvador: P55Edições, 2012.

Breve resumo

A autora descreve a trajetória da Cia. de Teatro Novos Novos, desde o seu surgimento até hoje, passando pela descrição de seus processos de montagem (com destaque para dois deles: Alices e Camaleões e Ciranda do Medo) e salientando a importância da musica nessas construções.

Durante todo o seu percurso como diretora da companhia, Débora tem buscado fazer um teatro com e para crianças, enfatizando a necessidade de falar de um mundo próprio e em linguagem própria ao público a que os espetáculos se dirigem sempre prezando pela qualidade artística dos resultados.


Transcrições de citações mais importantes


“Tornava-se necessário, percebia, entregar-se à imaginação do outro, à imaginação daquelas crianças, (re)criando um mundo, propondo uma realidade artisticamente modificada.” (p.14, l.29)

“[...] eu vislumbrava um percurso que agregasse tempo ao fazer teatro com crianças, que juntasse o aprendiz com o ser ator, transformando-o em ator-aprendiz, sem perder a característica primordial desse público, o ser criança.” (p.17, l.12)

“À frente da Companhia Novos Novos, no papel de coordenadora, ansiava por desenvolver um trabalho em equipe que se aproximasse do olhar infantojuvenil que é lançado ao mundo; e no papel de encenadora buscava investigar uma dramaturgia que se diferenciasse das experimentações escolares, de um teatro educativo ligado especificamente à função didático-pedagógica. Arquitetava fórmulas de fugir dos textos ditos para crianças, geralmente marcados por uma mentalidade adulta moralizante.” (p.51, l.24)

“Rico, pobre, morador de um rico país da Europa, de um rincão da África ou de qualquer bairro periférico soteropolitano, o jovem vê o mundo se desenhar à sua frente de maneiras diversas; mas há algo nessa experiência que une crianças e adolescentes, que é, exatamente o fato de serem crianças e adolescentes.” (p.74, l.12)

“Propondo-se a fazer teatro com elenco de crianças, adolescentes e jovens, a Companhia Novos Novos busca uma mudança de ênfase em seu trabalho, deixando para trás qualquer aspecto exibicionista que possa existir na atividade artística e dando direcionamento às possibilidades de formação humana propiciadas pelo trabalho nessa área.” (p.77, l.14)

“[..] a questão da educação, no teatro feito para crianças, não deve ser confundida com domesticação ou condicionamento, mas entendida como uma forma de potencializar os atributos cognitivos emocionais e sociais desse público.” (p.82, l.28)

“Inevitável que os pais dos integrantes da Novos Novos se envolvam com todo o processo. Eles também passam por experiências e transformações, além de serem naturalmente levados a indagações, muitas delas de cunho existencialista mesmo.” (p.89, l.23)

“O adulto costuma tecer suas impressões sobre um determinado espetáculo construindo opiniões alicerçadas na racionalidade; a criança encontra na emoção a sua forma mais direta de se relacionar com essa experiência estética. São diferenças de percepção que, acredito, também devem ser levadas para o processo de construção da peça, valorizando-se o jeito da criança e do adolescente, seus momentos de estar e perceber o mundo, como norteadores do processo criativo.” P.95, l.9)

“Uma vez montado o espetáculo, ele fica em cartaz durante alguns meses, com objetivos artísticos e pedagógicos. Na companhia, acredita-se que o dia a dia de uma temporada proporcione o aprimoramento do ator, o amadurecimento do personagem e do espetáculo diante dos olhos do(s) público(s), complementando, assim, o processo criativo. Essa experiência incentiva, também, a convivência diária com o ofício do ator e os cuidados que ele exige.” (p.100, l.8)

“Desde o primeiro instante, a companhia optou por uma linha, tanto na dramaturgia utilizada quanto na encenação, que privilegia o trabalho a partir de um texto inédito. Assim podem ser contemplados temas que precisem ser discutidos naquele momento, questões pertinentes ao universo infantojuvenil, dando espaço a questionamentos, dúvidas, posicionamentos em relação ao mundo no qual a criança e o jovem estão inseridos.
Essa proposta gerou nosso primeiro espetáculo: Imagina só... Aventura do fazer, que foi realizado a partir de várias leituras. O argumento da história já traz relação com a peça Seis personagens à procura de um autor (1930), [...]. Desse mote, abre-se um universo no qual cabem fragmentos de crônicas de Carlos Drumond de Andrade (1902-1987), poemas de Hélder Pinheiro, idéias nascidas a partir da leitura de tiras de jornais, como Calvin&Haroldo [...] e Mafalda[...]. Toda essa informação foi acrescida de discussões a respeito de temas desenvolvidos em ensaios teóricos da educadora Fanny Abramovich e também de outros pesquisadores que realizam estudos a respeito da construção da cultura infantil [...].
Esse material teórico foi seguidamente revisado, discutido, pensado e modificado durante a construção do texto. O que era considerado interessante de cada tema era apresentado ao elenco, que improvisava durante horas, sob a orientação da encenadora.” (p.101, l.25)

“O texto não é um produto acabado no qual é proibido tocar. Ele é, portanto, criado a partir de um conjunto de regras estabelecidas entre autor, encenador, atores-aprendizes e artistas-colaboradores. Dessa maneira, trata-se a concepção do texto dramático não como uma “obra”, mas como aquilo que os anglo-saxões chamam de work in progress, um trabalho aberto, transformável.” (p.123, l.1)

“No decorrer das improvisações das cenas, alguns atores-aprendizes sinalizaram que a história precisava ser (re)formatada pela Companhia Novos Novos para que o espetáculo trouxesse as características do grupo. Se no texto original a história girava em torno do personagem Medo, nas improvisações o Dono do Medo era quem dominava a cena. Nas práticas anteriores já se tinha descoberto que uma montagem com crianças só funciona quando elas possuem propriedade de todo o contexto. Então, como encenadora, e depois com o aceite da autora do texto, resolvi criar algumas novas cenas e inverter a ordem do texto, dando destaque ao Dono do Medo.” (p.135, l.19)

“Cada processo foi adequado às características de cada elenco e equipe de artistas. Alguns foram mais colaborativos, outros menos, um processo com mais de um dramaturgo, outros com apenas um, todos com a participação efetiva do elenco e dos artistas-colaboradores. É inegável o aprendizado: na criação de um espetáculo, todos os envolvidos têm sua parcela de responsabilidade e de autoria.” (p.145, l.6)

“No processo criativo de um novo texto, a musicalidade funciona como importante suporte ao seu desenvolvimento dramático. O processo da construção das letras das canções também é de troca; evita-se o uso de letras simplistas, maniqueístas, procurando-se fugir de resultados que acabem por diluir conteúdos significativos e importantes do texto.” (p.146, l.9)

“Na construção cênica de um espetáculo da Novos Novos a musicalidade busca atingir diferentes efeitos. Tendo ela como recurso, pode-se obter um espaço que não se defina apenas pelos elementos visuais, mas também por um conjunto de sonoridades, características ou sugestivas, que tecem ambientes para elenco e espectador.” (p.149, l.16)

“É fato que a visão de mundo do adulto sobre a sociedade contemporânea interfere no processo de produção cultural destinada à criança, em especial, e ao adolescente. Não deveria ser tanto assim, pois dentro dessa discussão é imprescindível que se leve em conta os conflitos, medos, anseios, desejos e opiniões também das crianças e dos adolescentes. Desconsiderando opiniões e experiências das crianças e dos adolescentes, o adulto exerce o poder, sonegando ou distribuindo os bens e produtos culturais, decidindo os critérios para se determinar qualidade e valor dessa produção. O que o meu trabalho e a Companhia Novos Novos propõem é que crianças e adolescentes sejam inseridos nesse processo de construção de conteúdo, amparados e conduzidos por adultos, mas com espaço para opinar, criar, participar de escolhas e decisões.” (p.154, l.13)

“Sem um mapa, um caminho pronto, sem uma receita, a Companhia Novos Novos delineia uma dimensão para a sua criação cênica, consciente e crítica, reafirmando a importância do sonho e da imaginação criativa como combustíveis do movimento da vida, ressignificando-a e humanizando-a.” (p.157, l.26)

Comentário pessoal


O trabalho da companhia é marcado pelo espaço para o diálogo e pela criação coletiva. Em geral, o processo criativo de um espetáculo tem origem  nas discussões do grupo, de onde surgem os temas que se deseja trabalhar. A encenadora, então, propõe diversos textos a serem lidos pelo grupo e a partir dos quais será desenvolvido um longo processo de improvisação que, por sua vez, dará origem ao texto final do espetáculo.

Apenas no caso de Ciranda do Medo, partiram de um texto já pronto, o livro de mesmo nome da autora Sonia Robatto. Contudo, com o desenvolver do trabalho, verificou-se a necessidade de realizar adaptações no texto para que se adequasse melhor aos anseios do grupo, o que foi feito pelo dramaturgo em parceria com a autora, também com base nas propostas surgidas nas improvisações do elenco.

Na Cia., a música é executada pelo próprio elenco e usada principalmente para criação de atmosfera cênica.

Utilização de materialidades no processo criativo

 Textos, jornais, filme, musica.

                                                                                                                                

por Érica Lopes
jan/13